Acho que já escrevi nas minhas notas que o amor é parecido com uma tortura ou uma operação cirúrgica. Mas esta idéia pode ser desenvolvida da maneira mais amarga. Mesmo que dois amantes estejam apaixonadíssimos e repletos de desejos recíprocos, um deles sempre se mostrará sempre mais calmo do que o outro. Um é o operador ou o carrasco; o outro, o sujeito, a vítima . Ouvem vocês esses suspiros, prelúdios de uma tragédia de desonra, esses gemidos, esses gritos, esses arquejos? Quem não os emitiu, quem, irresistivelmente, não os extorquiu? E que encontram vocês de pior no interrogatório conduzido por diligentes torturadores? Esses olhos de sonâmbulo, esses membros cujos músculos saltam e se enrijecem como se estivessem sob a ação de uma pilha galvânica, a embriaguez, o delírio, o ópio nos seus efeitos mais violentos certamente não darão a vocês exemplos tão horríveis, tão curiosos. E o rosto humano, que Ovídio julgava talhado para refletir os astros, esse não dá mostras se não uma expressão de ferocidade insana, ou se distende numa espécie de morte. Pois eu certamente pensaria estar cometendo um sacrilégio se aplicasse a palavra “êxtase” a esse tipo de decomposição.
_ Terrível jogo, que exige que um dos jogadores perca o controle de si mesmo!
Uma vez, perguntou-se, em minha presença, em que consistia o maior prazer do amor. Alguém naturalmente respondeu: “em receber”. E um outro: “em dar-se”. Um outro ainda: “prazer de orgulho”. E mais outro: “volúpia de humildade”. Todos esses grosseirões falavam como a Imitação de Cristo. _ Houve, por fim, um descarado utopista que afirmou que o maior prazer do amor era o de formar cidadãos para a pátria.
Quanto a mim, digo: a volúpia única e suprema do amor está na certeza de fazer o mal.
_ E o homem e a mulher sabem, desde o nascimento, que no mal se encontra toda a volúpia.
(Charles-Pierre Baudelaire foi o percussor do Simbolismo, poeta e teórico da arte francesa no século XIX.)
_ Terrível jogo, que exige que um dos jogadores perca o controle de si mesmo!
Uma vez, perguntou-se, em minha presença, em que consistia o maior prazer do amor. Alguém naturalmente respondeu: “em receber”. E um outro: “em dar-se”. Um outro ainda: “prazer de orgulho”. E mais outro: “volúpia de humildade”. Todos esses grosseirões falavam como a Imitação de Cristo. _ Houve, por fim, um descarado utopista que afirmou que o maior prazer do amor era o de formar cidadãos para a pátria.
Quanto a mim, digo: a volúpia única e suprema do amor está na certeza de fazer o mal.
_ E o homem e a mulher sabem, desde o nascimento, que no mal se encontra toda a volúpia.
(Charles-Pierre Baudelaire foi o percussor do Simbolismo, poeta e teórico da arte francesa no século XIX.)
Fonte: BAUDELAIRE, Charles. Meu coração desnudado/Charles Baudelaire; trad. e notas Tomaz Tadeu. Belo Horizonte; Autêntica Editora, 2009.